O Rio de Janeiro merece os royalties do petróleo?

A atual discussão gira em torno da nova legislação que pretende redividir as receitas dos royalties do petróleo, segundo um critério ainda mais obscuro. Mas ninguém discute por que um Estado recebe tantos recursos, sem ter feito nada para isso.

Por Rodolfo Araújo

Toma as páginas de todo o país - em especial dos jornais fluminenses - a notícia de que uma revisão na divisão dos royalties do petróleo tiraria bilhões de Reais do Rio de Janeiro - tanto do Estado quanto do Município.

A defesa concentra-se, como sempre, na perpetuação de um benefício adquirido, sem jamais questionar sua legitimidade. No final do texto, faço uma pequena revisão sobre o Fundo de Participação dos Estados, para quem quiser se aprofundar um pouco no assunto. Por enquanto, vamos aos motivos pelos quais vejo essa briga como um despropósito.

Petróleo O termo royalty deriva de royal que, em inglês, significa real, relativo à realeza. Era uma espécie de tributo pago à Coroa para compensar o uso dos seus bens, como terras, águas e demais riquezas naturais.

Na economia moderna royalty representa aquilo que se paga pelo direito de uso de alguma propriedade - material ou não - como uma foto, uma música, uma marca. Neste caso do petróleo, as empresas exploradoras pagam ao país pela sua extração, como se estivesse comprando o que está no seu subsolo.

Parte desta receita é repassada aos Estados produtores, premiando-lhes pela sorte de um punhado de dinossauros ter escolhido seus domínios para morrer, milhões de anos atrás. Por este jurássico acaso - e sem ter feito absolutamente nada para que isso tivesse acontecido - bilhões de Reais começaram a ser injetados nas contas dos afortunados extratores (acho o termo produtores inapropriado, porque nada é produzido, de fato).

Isto vinha representando uma enorme fonte de receita na claudicante economia carioca que, desde a década de 1990, já era o maior produtor do país. Não por acaso, nesta mesma época o Rio de Janeiro iniciava uma tortuosa espiral de declínio econômico. Com o tráfico de drogas subjugando a polícia, a violência aterrorizava a população e expulsava empresas (e receitas) da cidade, num caminho só de ida rumo a São Paulo, Minas Gerais e outros Estados.

Na mesma proporção em que as atividades produtivas deixavam o Rio de Janeiro, o dinheiro fácil dos royalties do petróleo chegava, parecendo arrumar as contas, dando a falsa impressão de equilíbrio. O Estado caminhava a passos largos para se tornar uma economia semelhante aos países do Oriente Médio, onde absolutamente tudo é comprado com petrodólares e absolutamente nada é produzido.

Esta cômoda abundância parece ter entorpecido a economia de um Estado que dormiu no tempo. Outrora líder em vários segmentos, o Rio de Janeiro perdeu sua Bolsa de Valores e assistiu à fuga de bancos, seguradoras e empresas de telefonia, dentre outras. Sua vocação para cidade turística esbarra numa estrutura hoteleira envelhecida e ultrapassada, embora caríssima.

* * * * * * * * * *


O Comitê Organizador da Olimpíada de 2016 não tardou em vir a público dizer que a eventual falta dos recursos do petróleo põe em risco a realização dos Jogos. Dom Orani João Tempesta, arcebispo do Rio de Janeiro contribui pedindo que o Cristo Redentor e Nossa Senhora Aparecida iluminem nossos governantes para não tirarem essa boquinha do Estado.

Lula-e-cabral
- Tá achando que vou te ajudar com os royalties...? Rá rá rá rá rá!!

Já o governador do Estado convocou a população para uma manifestação na Cinelânida, ocorrida na última quarta-feira, dia 17. Para dar uma mãozinha ao seu movimento político, Sérgio Cabral decretou ponto facultativo para os servidores públicos - no que foi imitado por vários prefeitos - usando seu cargo para dispor do nosso imposto, que paga o salário desses piqueteiros remunerados.

Também por sua influência, jogadores e torcedores fizeram um minuto de silêncio nas partidas de futebol do último fim-de-semana, num forçado apoio à causa - que provavelmente nem sabiam qual era.

O evento lembrou, mais uma vez, o clima festivo que o carioca costuma emprestar a momentos sérios. O Globo estampou em sua manchete: "Clima de festa atrai milhares de pessoas à passeata contra a redistribuição dos royalties do petróleo", naquilo que vários tuiteiros compararam a uma micareta, tamanha eram a "pegação" e o volume do axé, pagode e funk.

O presidente Lula já avisou que lava suas mãos, como faz de hábito sempre que um assunto polêmico possa ter alguma repercussão política. Neste caso, 24 Estados sairão ganhando com a redistribuição, enquanto Rio de Janeiro, São Paulo e Espírito Santo perderão. Isso, senhor Cabral, é o que você recebe em troca por ter carregado no colo Lula e sua mascote, fazendo campanha para ambos. Aprendeu? Certamente que não...

* * * * * * * * * *


Cristo
É preciso reconstruir esse monumento

OK, mas onde eu quero chegar com essa discussão? No ponto nevrálgico da economia carioca: onde estão as propostas para repôr o que o Rio eventualmente pode perder? Onde estão os planos de ação para buscar recursos que substituirão a mesada do petróleo? Ou o Rio deposita todas as suas esperanças em manobras jurídicas, estimuladas por lobbies escusos e acordos obscuros?

Que tal apostar no trabalho? No talento de sua população? No brilhantismo do povo mais criativo do país? No responsável espírito empreendedor do carioca para apontar uma solução definitiva, em vez dos paliativos habituais? Ou o Rio só pára em pé se for subsidiado? Se for pago por algo que não moveu uma palha para merecer?

DISCLAIMER: sou carioca e moro em São Paulo há quatro anos. Imagino que muitos dos meus conterrâneos ficarão indignados com minhas palavras. Aposto que, com seus comentários ufanistas, virão defender o Rio de Janeiro, sem ao menos considerar o mérito dos meus argumentos. A eles peço que, antes de qualquer coisa, reflitam e respondam:

1. Que obras o Estado realizou com o dinheiro dos royalties do petróleo nos últimos cinco anos? E o Município?

2. Por que no Rio de Janeiro, onde está 85% do petróleo do país, paga-se uma das gasolinas mais caras do país?

* * * * * * * * * *

ENTENDA A BRIGA PELOS ROYALTIES

A emenda do deputado Ibsen Pinheiro atende às observações do STF (Supremo Tribunal Federal) e do TCU (Tribunal de Contas da União) sobre a arbitrariedade do modelo ora utilizado na distribuição dos royalties. A proposta de Ibsen é que adote-se a mesma partilha do FPE (Fundo de Participação dos Estados). E é aí que começa o problema.

Plataforma de Petróleo
De quem é o dinossauro que morreu aqui há milhões de anos?

O FPE é um tipo de Transferência Constitucional criado pela Lei Complementar no 62 em 28/12/1989, cujas obscuras linhas determinam critérios de divisão de parte do que é arrecadado com Imposto de Renda e IPI (Imposto sobre Produtos Industrializados)*.

A intenção por trás desta iniciativa era distribuir parte da renda aos Estados mais pobres do país, de forma a amenizar desigualdades sociais. Criado e aprovado no esquecível governo Sarney, o FPE estabeleceu alíquotas bisonhas, a partir de acordos pra lá de escusos deixando o Maranhão, por exemplo, com o terceiro maior quinhão. Vinte anos depois, as fatias continuam iguais, mesmo após duas décadas de intensas transformações nacionais.

A não cobrança do ICMS (Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços) na fonte seria uma discussão muito mais justa, mas os Estados preferem se engalfinhar numa briga de foice por incentivos tributários, que faz com que todos percam, num jogo de puxar o tapete e furar olho alheio.

Na Indústria Farmacêutica, por exemplo, há empresas atacadistas cujas operações são inteiramente financiadas por benefícios fiscais, liminares e outros remédios jurídicos. Uma reforma tributária, por exemplo, traria dor e ranger de dentes a muita gente grande por aí.

O mais cômico - não fosse trágico - é que, se aprovada, a Lei Ibsen será provisória, uma vez que o próprio STF já julgou o FPE inconstitucional e ela deixará de valer em 2012.

__________

* Em 2009 este valor chegou a R$ 45,3 bilhões, ou 1,4% do PIB brasileiro.

Related Posts with Thumbnails

0 comentários

Postar um comentário

Indicadores / Cotação

Recados

Tradutor

English French German Spain Italian Dutch
Russian Portuguese Japanese Korean Arabic Chinese Simplified

Newsletter

Digite seu e-mail e receba as atualizações periódicas do Blog do ADMINISTRADOR

Blog do ADMINISTRADOR