Ser descartável pode iniciar uma nova vida


Deixamos de ser necessários para quem um dia vai nos virar as costas e passamos a valorizar quem nunca nos verá como desnecessários: nossas famílias


O Enigma da Longevidade - Júlio Sérgio Cardozo

Em um feriado chuvoso em São Paulo resolvi ir ao cinema. Logo que cheguei à bilheteria, um filme me chamou atenção logo de cara foi “Amor Sem Escalas”, com o galã de quase todas as mulheres, George Clooney. Baseado no livro escrito por Walter Kirn, a trama conta a história de Ryan Bingham, um consultor que tem a terrível tarefa de demitir funcionários para cortar os gastos das empresas.

A comédia dramática surpreendeu com várias lições que, mesmo com os mais de 30 anos de experiência na vida executiva, ainda me causam perplexidade. Ao ver os depoimentos e reações de quem estava sendo despedido por Clooney percebi o quanto continua sendo difícil receber a notícia de uma demissão. Por mais que se tenham alguns cartões vermelho acumulados no currículo, ninguém está de fato preparado para ser dispensado.

É duro perder o sobrenome corporativo, nem que seja por um breve momento, ou mesmo saber como chegar em casa e dizer que perdeu o emprego. Lidar com a sensação da rejeição não é fácil. Sim, porque sempre achamos que não somos mais aceitos e que há algo errado com a nossa conduta, com nosso desempenho e pensamos: “Como assim, ser escorraçado sem qualquer justificativa, logo você que deu tantos resultados à companhia e perdeu incontáveis fins de semana se dedicando à empresa”?

Outros ainda podem se perguntar: “Deixei minha vida pessoal de lado porque precisava manter o emprego e, agora, estou na rua”? Infelizmente, situações como essas são e serão cada vez mais comuns com o crescimento desordenado da população e o fim dos empregos na forma tradicional como conhecemos. Podemos achar que depois da primeira experiência, vai ser mais fácil quando acontecer de novo. Claro que essa é uma hipótese e você no fundo não acha que vai acontecer novamente.

Então, depois de uma temporada de caça está empregado de novo e sua aposta é que tudo será diferente. Se você der sorte e não tiver cortes na empresa ou ninguém conseguir puxar seu tapete, seu tempo de permanência naquela companhia será maior. Mas cedo ou tarde, alguém vai te dizer com todas as letras que você se tornou desnecessário. Isso mesmo. A vida continua e é preciso que ciclos se encerrem para dar chance a novos talentos que estão ansiosamente esperando por uma oportunidade.

Entendem agora a razão de muitos profissionais terem medo de preparar um sucessor para substituí-lo? Que me desculpem os hipócritas, mas ninguém tem sangue frio o suficiente para preparar alguém que vai ocupar seu lugar enquanto seu destino representa uma incógnita. Não fomos treinados para suportar perdas, mas precisamos aprender a lidar com elas se quisermos parar de sofrer porque deixamos de ser necessários para quem um dia vai nos virar as costas e passamos a valorizar quem nunca nos verá como desnecessários: nossas famílias. É a mensagem mais forte que fica após assistir ao filme com o Clooney.

Talvez aí encontraremos forças para enxergar na demissão a grande e única chance de realizarmos nossos sonhos. Eles podem ser reais, mas não enquanto esperarmos a vida nos dar cartão vermelho para acordarmos de ilusões que um dia vão embora. Muitas vezes para sempre, sem nos dar uma segunda chance.

É preciso refletir sobre as sábias palavras do pensador Salibi Neto "A vida biológica está cada vez mais longa, enquanto a vida profissional está cada vez mais curta". É preciso estar preparado para o dia em que a versão brasileira do consultor Ryan Bingham bater à nossa porta!



Por Julio Sergio Cardozo (CEO da Julio Sergio Cardozo & Associados e professor livre docente da Universidade do Estado do Rio de Janeiro. Website: http://www.cardozo-group.com/. Twitter: http://Twitter.com/juliocardozo)


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